capítulo X Do surgimento da D.I.O

Antes o sol brilhava por isso não seria possível que saíssemos. Somos morcegos e só atacamos quando a lua desaparece.
Por isso só saímos na noite quase findada.Era quinze pras quatro, uma madrugada fria. Chovia fino, às vezes engrossava, mas a gente até gostavam.
Joey queria brincar na chuva, tinha mania de beber vinho e dançar nua. Eu peguei essa mania dela.
Naquela noite eu pulei a janela do meu quarto, fiz como num desenho animado, amarrei um lençol no outro, depois prendi no pé da cama, verifiquei se estava firme e desci do segundo andar, mais precisamente cai a partir do primeiro.
Cantávamos Ratos de porão “somos todos bêbados e não temos vergonha”, ríamos da desgraça alheia, chutávamos latas de lixo e fazíamos barulho como gatos trepando.
Estávamos a caminho do cemitério, em 21 de agosto de 1998. Agosto é mês do cachorro louco, dia 28 é aniversário de morte do Raul. Fomos comemorar.
Somos a Sociedade Alternativa em suma. Tomávamos banho de chapéu, e eu, mesmo atéia, sempre acreditei em papai Noel (belive it or not)...
Mas isso é uma observação esdrúxula.
Oh, le bon temps que se sielle de fer !!! Aniversário de morte de alguém não é algo muito comemorável, mas a gente usava qualquer pretexto pra ir beber no cemitério.
Campo Santo: adoro aquela arquitetura gótica, éramos todos góticos, punks-góticos, por mais impossível que isso seja. Punks por pichar muros, gritar “deixe que Jesus te foda”, na porta de igrejas, as universais principalmente, beber vinho na garrafa de cinco litros... Góticos, por ouvir Joy Division, escrever poemas dedicados à morte, só vestir preto (menos eu, não dispenso meu colorido clubber por nada)...
Raul era o ídolo mor, morreu antes mesmo de eu saber o que era rock n’ roll (acho que não tenho essa definição até hoje), eu não chorei, nem sabia quem estava morrendo, depois de morto, eu tento entender o que foi que se perdeu.
Ozzy uivava, Joey e eu, como sempre, falando frivolidades. Havia também Negão, Devil, Lila e Monteiro, o único realmente concentrado nas homenagens a Raulzito. Ele acendeu dez velas, leu o mantra sagrado da ressurreição, fez a oração à Buda, improvisada por mim no caminho, e ainda resmungava algumas maldições de olhos fechados quando Ozzy parou de girar e girar como macaco amestrado cheio de ácido, e quase caindo de entusiasmo bradou a sugestão: “Galera vamos formar um clã.”.
Não foi impressão minha, aquilo não era uma pergunta, ele decidiu enquanto batia a onda e simplesmente nos comunicou. Era pior do que idéia do Mochila de fazer um abaixo-assinado pela legalização da maconha.
Ozzy era um dos meus melhores amigos, além de mantermos, em dias de bebedeira e fogo, um afair, por isso eu o conhecia muito bem e sabia que se ele decidisse manter aquela idéia absurda, acabaria persuadindo os outros e o pior, minha certeza era mais forte para o fato que ele me convenceria também.
Joey foi a primeira a se manifestar, “uma gangue, mas esse é o sonho da minha mãe. Ela jura que faço parte de uma gangue.” Todos rimos alto e eu conseguia, aos poucos, disfarçar minha aflição. “Isso vai dar merda”, eu pensava.Os tramites começaram. Falamos em criar um nome para a nossa facção, Ozzy era o rei da empolgação, na verdade ele já tinha várias sugestões de nomes (Não disse? Caso pensado!).
Não demorou muito o entusiasmo de Ozzy contagiou a todos. Na noite seguinte, o encontro foi marcado na oca do Passeio Público.Quando eu cheguei, Joey e Ozzy já cuidavam dos preparativos. Durante o dia, o Ozzy, entre uma bronca e outra do padrasto, esquematizava um ritual de iniciação.“Ritual de iniciação?” Eu perguntei abismada. Será que eu sou a única pessoa lúcida aqui?
Não demorou muito Devil chegou com um pacote debaixo do braço. Atrás dele, vinham Mochila e Negão, cada um com uma garrafa de vinho. Lila e Monteiro, chegaram em seguida.
O brilho nos olho de Ozzy me assustava em certo ponto.
O ritual de iniciação começava no conteúdo do pacote que Devil protegia. Joey havia preparado uma decoração bizarra, encheu uma cabana de palha com velas altas e sem qualquer proteção. Perigoso mesmo era o fato dessas velas estarem tão próximas do Mochila, que tinha tendências piromaníacas. Ele já se precipitava em cima de uma delas, olhando fixamente a chama. Era um psicopata e nossa mascote.
O chão forrado com um tapete tão velho que mal dava pra ver o bordado, não dava pra distinguir muita coisa das marcas de sapatos e lama.
Devil abriu o embrulho de papel de pão. No chão de tapete sujo, bem no centro da oca, pôs a nossa vista um cálice prateado bem envelhecido ornado com anjos Michelangelos em alto relevo. Depois tirou do bolso um punhal, também de prata, tão velho quanto o cálice, havia pontos de ferrugem levemente lixados por toda a lamina.“De onde você roubou isso cara?” Era uma pergunta obvia e nem um pouco ofensiva. (!)
“Da igreja”, como se fosse a feira comprar laranjas...Ok, que comece o ritual. Primeiro faríamos o juramento. Ozzy tirou do bolso uma folha de caderno e começou a ler uns garranchos que ele mesmo escreveu, mesmo assim tropeçava em suas próprias palavras. Em circulo, nos pomos de joelhos ao redor do cálice cheio de vinho (São Jorge mesmo), Ozzy segurava o punhal e dizia o juramento para que repetíssemos.“Hoje, minha alma entrego as forças das trevas como um servo fiel, me tornando um de seus demônios. (pausa pra soletrar as palavras seguintes) Nos uniremos nesse v... vin..(outro tropeço) vínculo eterno de cumplicidade para enaltecer teu nome...”AMÉM, gritou Joey.
Parecia uma missa mesmo. Só que ao contrário. “Ozzy dessa vez você se superou, quantas vezes vocês assistiu ao Exorcista?”, eu já estava perdendo a paciência.
Ok baby, você venceu. Batata frita! Continuamos.
Era o que eu temia. Ozzy puxou o punhal, esticou a palma da mão esquerda e passou a lamina na pele, deixando um rastro fino de sangue de três centímetros.
Joey olhou pra mim. Eu levantei as sobrancelhas e olhei para Negão. Ele arregalou os olhos e cutucou Devil, que não demonstrava nenhuma surpresa. Mochila também parecia indiferente, mas esse era o jeito dele de sempre.“Nem pensar”, eu pensei.
Ozzy esticou o braço em direção ao cálice, contraiu depois relaxou a mão ensangüentada, fazendo gotejar o sangue no vinho. O objetivo era unir nosso sangue e beber do vinho contaminado.
Ele passou o punhal para Devil, que foi mais comedido, preferindo fazer apenas um furo no dedo indicador.
E foram passando, de Devil pra Negão, de Negão pra Mochila, que acabou atravessando a derme e a epiderme extraindo muito mais sangue que o necessário. Depois Monteiro, e Lila, a mais excitada atrás de Ozzy.“Posso tirar o cascão de uma ferida no cotovelo?” Joey, sempre Joey.
Todos, um por um gotejando de seu sangue no cálice, misturando seus genes ao vinho tinto. Ai que merda, eu não queria nem pensar no que de mais bizarro aconteceria naquela noite.
Minha vez: Eu olhei para todos me olhando. Ok honey, you won. French Fries, mas nem pensar…Comecei a pensar no Raul. Não sei por que tinha que ser logo ele na minha cabeça aquela hora. “Viva, viva, viva a sociedade alternativa...”, comecei a cantar. Pela primeira vez pensei sobre o significado dessa frase.
O que significava aquela música. Eu não dava a mínima pra me torna um Demônio Infernal Odioso.“Se eu quero e você quer, tomar banho de chapéu...”, eu cantava cada vez mais alto. Ozzy me censurava com um olhar demoníaco. Joey começou a cantar comigo.
“Porra meu, vamo fazer um abaixo-assinado pela legalização da maconha?” Mochila ainda não havia abandonado aquela idéia. Se bem que parecia menos esquisita do que vender a alma a satã.“Vamos Mochila, vamos fazer uma passeata”.

DIO, DIO, DIO...


Por Luisa Blue

Comentários

Migule disse…
Blog novo??? O meu eu joguei fora... me arrependi!!
Caraca que texto é esse menina Flor de cerejeira? Muitas faces, entendi o nome do blog!!
Dizer que o texto é bom é clichê você sabe o quanto eu sou teu fã.. mas gosto mais dos contos de amor.
Migule disse…
PS: vi que tem poucos post vou ler os outros
ABELMIN disse…
PUTA QUE PARIU!!
APOSTO QUE É BASEADO EM FATOS REIAS
não gosto desse negocio de blog
abri só pra da uma olhada vc escreve bem mesmo...
podia me ajudar com o meu tcc

hehehehe

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