A mosca morta

​Capítulo 2

Aconteceu na última vez que tomamos café da manhã juntos.

Minha cabeça doía e os ouvidos zuniam. Eu não conseguia me concentrar no que você estava me dizendo. Já existiam muitas coisas falando dentro de mim naquele dia. Uma mosca entrou voando pela janela e pousou irritantemente no meu joelho. Eu senti tanta raiva daquele inseto asqueroso passeando na minha perna que não me dei conta de que tudo ia mudar completa e irreversivelmente.

Eu nunca havia parado para pensar em coisas irreversíveis antes. Parecia um clichê bobo. Eu não sabia que seria a última vez que beberíamos café juntos. Assim como não soube quando dançamos juntos pela última vez, ou na última vez que você me disse que me amava. Eu também não acreditei que seria nossa última briga, que era mesmo a última vez que você me dizia que estava cansado, que não aguentava mais. Também não previ que você iria embora pela primeira vez e que já não primeira vez não voltaria.

Naquele dia eu foquei apenas na mosca. Eu espantava ela com as mãos, sacudia as pernas e ela continuava a me afrontar pousando na minha pele descoberta e zunindo perto do meu ouvido. 

Acho que foi nessa hora que eu derrubei o café quente e molhei a mesa, os pães e o chão. Eu não ouvi o que você falou, eu corri para pegar um pano de prato para acertar a mosca parada na porta da geladeira. Eu sei que você estava com raiva, eu também estava com raiva. Eu quase acertei o pano nela quando você saiu da cozinha e me deixou lá sozinha com a minha batalha. Eu continuei lançando o pano de prato na direção da mosca que voava ao meu redor me desafiando. Acertei o escorredor de pratos e derrubei algumas panelas, bati novamente na mesa encharcada espalhando café pelas paredes. Finalmente ela ficou parada na parede e eu me preparei para o melhor golpe. Calculei e ativei o corpo. Acertei o pano bem em cima dela que caiu no chão molhado de café. O baque do corpo da mosca caindo no chão foi abafado pelo baque da porta da frente batendo e você indo embora.